A lista

Eu sei que o verbo esperar e o substantivo esperança têm a mesma raiz, mas o que eu quero dizer é que eles têm um sentido diferente, quando a gente usa. Foi o que Jonathan disse ao entrar no beco com Júlio, dentro de seu sobretudo bege, embaixo de seu chapéu marrom e macio.


Quando a gente espera, a gente espera por alguma coisa; como por exemplo esperar que a chuva passe. Esperar que a vida passe, esperar o ônibus. É simplesmente uma espera; deixar o tempo passar enquanto o que queremos não acontece. A esperança não. Foi como Jonathan continuou enquanto puxava o revólver do bolso interno do sobretudo.
Enquanto Júlio se dirigia à parede no fundo do beco, Jonathan dizia que quando temos esperança, nós não esperamos simplesmente. Nós temos fé. Nós fazemos coisas com a fé de que isso ajudará a alcançarmos aquilo no qual temos esperança. Que a esperança é a espera que depositamos em algo. Ter esperança é como depositar moedas num porquinho. A esperança é um pedaço do nosso movimento, um pedaço da nossa respiração que depositamos em algo que não estamos certos de que irá acontecer. O que esperamos é sempre uma coisa qualquer que dará continuidade à vida, tirando-nos de uma certo estado de inanição. Já o objeto da esperança, não. Este é sempre um tipo de salvação.

Salvação foi a última palavra que Júlio ouviu antes da bala atingir sua cabeça e seus miolos baterem na parede fazendo um ploft bem baixinho. Mas seu corpo pendeu para frente e caiu para trás, contrariando o desejo de Jonathan, que gostava quando os corpos caiam de joelhos.

Guardou o revólver, acendeu um cigarro. Tirou um papel do bolso. Uma lista. Júlio era o número 7 ali. Acima dele, 6 nomes riscados à caneta com traços horizontais. Depois de Júlio, mais 5 nomes. Guardou a lista e caminhou até o bar mais próximo. Pediu uma dose de uísque e sentou-se ao balcão sentindo-se feliz de Júlio ter podido ouvir algumas palavras de sabedoria antes da morte. Talvez, antes da bala perfurar sua cabeça, Júlio tenha podido experimentar um pouco de paz, que é aquele momento em que acabam todas as esperanças. Fellini disse que felicidade é quando podemos dizer a verdade sem machucar ninguém. Mas paz é quando não precisamos dizer nada. Paz é quando a verdade não importa. Mas estranho, Jonathan pensa, a paz não é feliz. A paz de espírito, muitas vezes, vem como um prêmio de consolação para os velhos que um dia foram jovens em busca da felicidade, sem nunca terem a encontrado.

Entenda, Augusto, se existe culpa ela não é sua. Se existe culpa, não é algo que alguém possua. Culpa é algo especulativo. Sempre vai ter alguém dizendo que ela é sua e outro dizendo que é de outra pessoa. Isso não importa. Isso passa. O foda, Augusto, o foda é quando você é quem diz que a culpa é sua. Acredite em mim, meu camarada – Jonathan tira o revólver do sobretudo – quando você se culpa, isso te mata. Mas não é porque digo que a culpa não é sua, que significa que você deva pô-la em outra pessoa. Isso também te mata. Porque quando você culpa outra pessoa, é porque você acha que a culpa também é sua. Afinal, só existem dois tipos de pessoa preocupados em por a culpa em alguém: o suposto culpado e o lesado; o resto não se importa. O jogo da culpa é como batata-quente, e se você não quer perder, então pra que jogar? Se eu não me sinto culpado, Augusto? Você não entendeu nada.

Nada. Foi a última palavra que Augusto ouviu antes de cair de joelhos e tombar de lado no chão. Culpa de que? A violência pode não ser bela, mas é o que nos movimenta. Jonathan acende um cigarro e puxa sua lista do bolso interno do sobretudo. Depois, verifica as horas em seu relógio de pulso. Parece que essa lista não acaba nunca.